domingo, 25 de outubro de 2020

 A grande mudança monetária e bancária que está a chegar! 

Está preparado?

No ano de 2020, algo que já era visível nos anos anteriores tornou-se ainda mais claro: governos e bancos centrais não conseguem fazer com que as suas medidas de "abrandamento quantitativo" (quantitative easing ou QE) — isto é, impressão de moeda com o intuito de "estimular a economia" — cheguem a onde devem.

Em tese, o objetivo de um QE é fornecer liquidez aos bancos, para que estes, emprestem aos particulares e empresas, a juros baixos, para assim estimular  o consumo e o investimento.

Na prática, no entanto, boa parte da moeda que é criada pelos Bancos Centrais e repassada aos bancos fica retida no próprio sistema bancário. 

Os motivos para esta "retenção" são vários, mas o principal é o próprio medo dos bancos ficarem com calotes: num cenário de juros artificialmente baixos e de grandes incertezas económicas, emprestar aos particulares e empresas deixa de valer a pena. É pouco rentável e muito arriscado.

Consequentemente, os bancos preferem reter uma parte do dinheiro, e emprestar a outra parte apenas a empresas sólidas e principalmente grandes empresas e, principalmente, aos próprios governos. Daí o fenómeno dos juros reais negativos nos títulos públicos dos países da Europa

Isso explica também a baixa inflação que se verifica. A base monetária criada pelos Bancos Centrais praticamente não entrou na economia.

Este fenómeno, que começou após a crise financeira de 2008, tornou-se ainda mais intenso durante a pandemia de Covid-19. Na Europa, o fenómeno é mais visível. A expansão monetária feita pelo Banco Central Europeu praticamente não chega à economia. Houve apenas um ligeiro aumento na oferta monetária total, nada muito significativo.

Logo, uma grande mudança no atual sistema monetário e bancário está por acontecer. E será uma mudança que afetará a todos: os Bancos Centrais passarão a emitir moedas digitais.

Na prática, todos os Bancos Centrais transformarão as suas moedas nacionais em criptomoedas, usando tecnologia semelhante ao Bitcoin.

Já se fala abertamente

Esta ideia foi primeiramente levantada pelo presidente do Banco Central da Inglaterra, Mark Carney, no ano passado. Causou algum furor, mas depois passou.

Porém, com a Covid-19, o tema não só foi ressuscitado, como já se encontra em rápida expansão.

Esta monografia do FMI fala sobre o assunto. O título já é explícito: será a maior transformação monetária desde o acordo de Bretton Woods

O mesmo FMI também vai fazendo conferências abertas sobre o tema.

Já o Banco Central Europeu foi o mais incisivo e o mais explícito: a sua intenção de implantar um euro digital já está avançada.

O Banco Central da Suécia também está adiantado nas suas experiências. Assim como o Banco Central da China.

Nos EUA, alterações regulatórias já foram feitas, permitindo a custódia bancária de ativos digitais, especialmente o Bitcoin. Uma alteração regulatória deste porte significa não apenas a aceitação do governo de que os ativos digitais vieram para ficar, mas também o reconhecimento de que eles são o futuro.

E, recentemente, a  Reserva Federal Americana passou a falar abertamente sobre o assunto.

O próprio FMI é tão explícito que já faz até consulta aberta nas redes sociais sobre o tema.

Ou seja: moedas digitais emitidas por Bancos Centrais estão a chegar. E irão alterar absolutamente tudo.

As consequências

Realmente, como aludiu o FMI, trata-se do maior evento monetário desde Bretton Woods.

Está fora do âmbito deste artigo avançar explicações técnicas e detalhadas sobre o funcionamento das moedas digitais. Basta dizer que as Moedas Digitais Emitidas por Bancos Centrais terão um funcionamento similar ao da Bitcoin, com a diferença de que, obviamente, serão emitidas pelos governos.

E isso muda tudo.

Na prática, os Bancos Centrais utilizarão a tecnologia blockchain para transformar as moedas nacionais em criptomoedas. Será uma revolução para o sistema financeiro global tão grande quanto a internet.

Consequentemente, o Banco Central terá total controle sobre a circulação desta moeda. Por meio da tecnologia blockchain — que grava toda e qualquer transação financeira — ele saberá, a todo momento, exatamente quem detém qual dígito em qual carteira. Ele conhecerá o valor exacto que cada indivíduo tem nas suas carteiras digitais. A privacidade financeira foi-se.

Mas o verdadeiro motivo para a criação de uma moeda digital emitida por um Banco Central é outro: uma moeda digital permite que o Banco Central não mais dependa do sistema bancário para fazer a sua política monetária. 

Com uma moeda digital, o Banco Central poderá livremente criar moeda e depositá-la directamente na carteira eletrónica de quem ele quiser.

Igualmente, o Banco Central também se torna no executor da política fiscal. Por saber exatamente quem detém quantas unidades de moeda, e por estar ciente de toda e qualquer transação monetária (que serão feitas via transferência de moeda entre carteiras, e que ficam gravadas no blockchain), ele também terá o poder de tributar e redistribuir.

Isso altera completamente, e para sempre, as políticas fiscal e monetária. Os Bancos Centrais não só poderão tornar-se os executores da política fiscal, como também poderão fazer uma política fiscal completamente independente das finanças dos governos. 

Eles poderão, por exemplo, enviar moeda diretamente a donos de restaurantes que foram fechados por causa da pandemia, como uma medida de estímulo. Ao mesmo tempo, poderão punir os poupadores impondo juros negativos — ou seja, cobrando juros — a pessoas que tenham muita moeda parada nas suas carteiras.

Um sistema de várias taxas de juros, controlado pelo Banco Central, será a norma. Não mais serão os bancos tradicionais que irão determinar os juros de acordo com riscos ou disponibilidade de capital. Os Bancos Centrais poderão estipular o custo de capital que quiserem para qualquer indivíduo ou empresas que escolherem.

Isso também significa que aqueles que têm um mau histórico de crédito e que hoje só conseguem empréstimos a juros altos poderão conseguir capital a juros menores. 

Vale a pena sulinhar que, no sistema atual, em termos puramente contabilísticos, para o Banco Central criar moeda, ele tem de comprar um dívida dos governos (ou dívida privado). Ou seja, a criação de moeda tem como contrapartida a compra de dívida que vai para o balancete do Banco Central. Com uma moeda digital, isso acaba. A emissão de uma cripto-moeda não gera nenhuma contra-partida contábil. Ao contrário da moeda fiduciária, que representa um passivo para o Banco Central, a moeda digital não é passivo de seu emissor.

E principalmente: tal medida será crucial para a imposição de um sistema de Rendimento Básico Universal. Com a difusão dos smartphones e da internet 5G, mesmo os mais pobres das regiões mais remotas conseguirão receber dinheiro digital nas suas carteiras, diretamente do Banco Central.

Embora isso vá tirar poderes discricionários aos governos, vale apena ressaltar que tal esquema fará com que eles sejam libertados de qualquer responsabilidade por qualquer crise económica futura. 

Tudo isso fará com que a economia comportamental assuma a dianteira da política económica. O Big Data e os dados da actividade em tempo real irão alimentar as decisões da política monetária e fiscal. Os Bancos Centrais poderão criar incentivos diretamente, tanto na forma de recompensa quanto de punição. Eles poderão afectar o comportamento humano de uma maneira bem mais subtil e discreta do que as tradicionais políticas monetária e fiscal. Será uma tremenda alteração em tudo o que sabemos sobre economia, principalmente macroeconomia.

Os Bancos Centrais, em suma, terão o poder de criar e destruir moeda diretamente nas carteiras dos cidadãos, contornando completamente o sistema bancário e toda a esclerosada burocracia estatal que, como vimos durante a pandemia, não conseguiu fazer com que os estímulos chegassem aos cidadões e empresas em tempo útil.

Com efeito, a evolução mais provável é que as pessoas passem a ter as suas contas bancárias diretamente no Banco Central, e não mais em bancos convencionais — uma total mudança de paradigmas.

Liberdade e desvalorização

Muitos dirão que tal sistema representará a total extinção da privacidade e das liberdades. Sim, mas a realidade é que, hoje, já não temos nenhuma privacidade e nenhuma liberdade em relação ao governo e aos banco centrais caso estejamos dentro do sistema (isto é, caso não utilizemos Bitcoin e ouro nas nossas transações).

E também é um facto que as grandes empresas de tecnologia — como a Google, Facebook, Twitter e afins — já conseguiram dominar a arte de manipular a economia comportamental como uma forma de alterar o comportamento humano. Logo, neste quesito, também não mudará muito.

No entanto, o ponto-chave aqui — além de uma maneira totalmente revolucionária de cobrar impostos, de dar incentivos e aplicar punições, alterando todo o sistema atual — é um acordo implícito, forjado pelo FMI, de que os Bancos Centrais mundiais poderão expandir a oferta monetária livremente caso combinem forças e atuem concertadamente

A ideia é que, dentro de um máximo de 5 anos, os países deixem de usar o dólar no mercado internacional e adotem, uma moeda digital suportada num cabaz de moedas (exatamente como era o plano da LIBRA). E então todos eles poderão expandir, conjuntamente, as suas moedas digitais nacionais e assim evitar que alguns países sejam vítimas de movimentos cambiais acentuados por decisões unilaterais.

A consequência óbvia disto é que haverá uma desvalorização conjunta de todas as moedas mundiais. Poderá isso criar uma inflação de estrutural preços? É possível, mas de certeza que o debate será intenso. Também as pressões deflacionárias  serão certamente importantes quer por causa da  evolução demográfica (população a envelhecer tendente a poupar mais) e do avanço tecnológico (que aumenta a produtividade).

Os activos sólidos tenderão também, certamente, a valorizar-se face a essas "novas moedas" quanto mais não seja como forma de "fugir", dentro de certos limites, ao controle atrofiante dos poderes centrais.

Como se proteger

E é por isso que, neste cenário, o ouro e principalmente a Bitcoin irão  tornar-se a forma de escapar deste sistema de perda de privacidade e destruição de riqueza. Ambos serão o barco salva-vidas. 

A Bitcoin, em particular, é uma reserva de valor totalmente descentralizada. Os seus utilizadores — ao contrários das moedas digitais estatais — permanecem anónimos. As suas transações não podem ser tributadas, pois estão fora do controle dos Bancos Centrais.

E o facto de que sua oferta foi programada para jamais superar 21 milhões de unidades faz com que sua qualidade de reserva de valor se torne ainda mais óbvia — além da privacidade. Este é o grande poder da descentralização: não há como governos controlarem.

Além do mais, com o tempo, o próprio "sistema" tende a criar incentivos para que outros países adoptem moedas mais sólidas para atrair capital. É tudo uma questão de os seus cidadãos reagirem e começarem a abandonar as moedas nacionais em prol de outras mais sólidas — além da Bitcoin e da rede Ethereum (que também tem sua própria moeda digital, o Ether), vale notar que várias empresas privadas emitem hoje moedas digitais 100% suportadas em ouro.

O facto é que o impacto que este futuro trará para as criptomoedas privadas já existentes será incrivelmente positivo. Quem já estiver posicionado tende a dar-se bem, pois, futuramente, a corrida em busca de proteção de riqueza e  privacidade será cada vez maior.

Para concluir

Em suma: com a abolição do papel-moeda, nenhuma transação ocorrerá em sigilo. Aqueles que quiserem manter a sua privacidade e preservar a sua riqueza — escapando das desvalorizações das moedas digitais estatais — terão de encontrar uma maneira de recorrer às criptomoedas privadas (inclusive as suportadas em reservas de ouro).

Tudo isto é também uma péssima notícia para os bancos, que serão sitiados pelos Bancos Centrais, pelas FinTechs e pelas criptomoedas já existentes. Eles irão perder continuamente  o seu papel no sistema financeiro.

Já as criptomoedas serão a proteção. Serão a reserva de valor.

Nota Importante do autor do blog português

O facto de a Bitcoin aparecer aqui como uma incrível oportunidade face ao futuro que parece adivinhar-se não estou ainda em condições de recomendar qualquer investimento nesta "moeda", pois, apesar de ter vindo a estudar este "fenómeno" com alguma intensidade, continuo com reservas sobre as "garantias" que o anonimato do sistema nos proporciona. Too soon, I think.

Mesmo com muitas adaptações e algumas alterações o

Artigo original é de

Raoul Pal
CEO do canal Real Vision, especializado em eventos macroeconómicos. Já foi chefe da divisão de hedge-funds do Goldman Sachs e co-administrador da GLG Macro Fund.

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